

O Outro lado do universo cor-de-rosa
Como a revista Capricho passou de melhor amiga a pior inimiga das adolescentes brasileiras
Giovana Garcia, Nicole blank
OUTUBRO | 2021
Pode parecer estranho para uma geração que cresceu com as redes sociais, mas se voltarmos para os anos 2000 até meados de 2010, vamos nos deparar com uma sociedade que está apenas começando a utilizar a internet em seu dia a dia, tendo ainda outros meios de comunicação relevantes. Um desses meios: a revista e, entre eles, a revista Capricho se destacava como uma das principais fontes de informação - e influência - para os jovens e pré-adolescentes da época.
Com as mudanças no projeto editorial e o redirecionamento de público-alvo ocorridos na década de 80, surgiu a responsabilidade de falar diretamente com o público adolescente. A ex-redatora-chefe da Capricho Marília Scalzo afirmou em seu livro Jornalismo de Revista (2003) que o propósito desta mudança foi fazer com que a revista fosse recebida como uma amiga pela leitora.
Usando as revistas Atrevida e TodaTeen, que também eram grandes títulos da época direcionados a adolescentes, como comparação, a Capricho, além de ser líder de vendas no segmento, ocupava um lugar único na vida da leitora passando de geração a geração, como conta a nutricionista de 23 anos Mariana Ribeiro, que participou da Galera Capricho e teve o incentivo da mãe, que também foi leitora da revista durante a adolescência: “A minha mãe me indicou a Capricho. Ela já conhecia desde mais nova e falava que, na época, comprava a Capricho e pedia para a costureira fazer a roupa que via na revista. Foi a que eu tinha familiaridade, a gente vai se apegando um pouco ao jeito que a revista é e as outras vão ficando de lado”.
Vídeo reportagem produzida pelo grupo sobre a Era Capricho (Reprodução: Youtube)
EXPERIÊNCIA 360º
A partir da década de 90, a revista passou a levar sério a proposta do Universo Capricho investindo em um ambiente multiplataforma com mídia impressa, site, programas de televisão e produtos licenciados para cumprir a premissa de “estar onde a garota brasileira está”. É notável que, à medida que a marca crescia, a Capricho transformava cada vez mais as suas leitoras em potenciais consumidoras da vasta lista de produtos assinados, como linhas de lingerie, maquiagens, perfumes, roupas, material escolar, além da mídia impressa, e assim, criava na adolescente o desejo de ser a garota Capricho e ter os produtos da Capricho.

Seção “Universo Capricho” de 2010, com os produtos Capricho e o conteúdo interativo para celular (Reprodução: Revista Capricho)

Seção “Universo Capricho” de 2010, com os produtos Capricho e o conteúdo interativo para celular (Reprodução: Revista Capricho)

Seção “Universo Capricho” de 2010, com os produtos Capricho e o conteúdo interativo para celular (Reprodução: Revista Capricho)
“Eu não era uma menina rica. Eu via tudo aquilo na revista como algo fora da realidade para quem não tinha tanto poder aquisitivo. Mas, querendo ou não, eu fiz minha mãe assinar a revista ali, no aperto, só que o que via eu nela não condizia com a minha realidade. Um perfume, por exemplo, sabe Deus quanto tempo eu juntei dinheiro para comprar aquele perfume. Eu sentia falta de coisas mais acessíveis pra mim”, declara a jornalista Tawane Barbosa, de 24 anos, sobre a época em que era assinante da Capricho.
Esse estilo de vida era imposto sutilmente por meio das páginas da publicação em forma de anúncios que, na época, passavam despercebidos pelas leitoras. “Eu tinha mochilas e estojos da Capricho. Eu gostava da parte ‘Vida de Garoto’ e gostava muito do Dudu Surita. Eu comprava edições especiais que a revista oferecia, com capa dura e cheia de fotos. Tinha uma seção da revista que se chamava ‘Roube o Look’, e eles colocavam alguém famoso e informavam onde poderíamos encontrar as peças que aquela celebridade estava usando. Na época, você sendo jovem e vendo que aquilo estava na moda, dava um jeito de convencer sua mãe a comprar”, conta a publicitária de 21 anos, Luiza Gomes.

Anúncio de 2010 para a Foroni com o colírio Dudu Surita, impondo que 'meninas com atitude' só utilizam os cadernos da marca (Reprodução: Revista Capricho)

Outro anúncio de 2010, da linha de roupas da Capricho pela Marcyn colocando os garotos como o motivo principal para a compra (Reprodução: Revista Capricho)

Seção 'Roube o Look', citada por Luiza Gomes (Reprodução: Revista Capricho)

Anúncio de 2010 para a Foroni com o colírio Dudu Surita, impondo que 'meninas com atitude' só utilizam os cadernos da marca (Reprodução: Revista Capricho)
A jornalista Thaina Stein, de 25 anos, resgatou algumas memórias de sua adolescência como leitora da Capricho, quando comparava o estilo de vida das garotas na revista com o seu na época em que a revista produziu um guia dos parques da Walt Disney World em Orlando, nos Estados Unidos, em 2015: “Isso era totalmente fora da minha realidade naquele momento, mas era o sonho da minha vida. Não existia uma matéria do tipo 'e se você não tem dinheiro pra ir pra Disney?'”. A história de Thaina não é uma exceção tendo em vista que a realidade exposta na revista não condizia com o estilo de vida de uma grande parcela de brasileiros. De acordo com o G1, no ano de 2015, os ingressos para os parques temáticos da Disney custavam até R$300, na mesma época em que o salário mínimo do Brasil era de R$788. “Era uma revista, sim, elitista e dizer que as pessoas eram totalmente representadas na Capricho seria muito irônico e hipócrita da minha parte”, afirma.
COMO AGRADAR O SEU PARCEIRO
A seção comportamento da revista Capricho, hoje em dia, renderia tema para diversos debates sobre feminismo e até um possível motivo de cancelamento da revista se olharmos para as manchetes da publicação até meados de 2010. Acontece que a revista, que tinha um público majoritariamente feminino, colocava em evidência os Colírios Capricho. A seção “Dúvida de Garota” trazia os colírios respondendo perguntas de leitoras e dando dicas de como as garotas deveriam se vestir e se comportar, na maioria das vezes, para agradar o parceiro.
Analisando de perto...
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Na edição 1088 (17 de janeiro de 2010), o colírio Federico Devito fala sobre os garotos preferirem mais as garotas virgens: “Não! O que importa de verdade é como a menina encara isso. Ela tem que se respeitar, independentemente do que já tenha rolado. Mas eu confesso: não rola namorar sério se ela for muito saidinha”.

Seção “Dúvida de Garota” da edição 1088 com o depoimento completo do colírio Federico Devito
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Na edição 1090 (14 de fevereiro de 2010), o colírio Dudu Surita respondeu uma leitora que perguntou se os meninos se importavam com a “fama” da menina que beijava vários garotos: “Óbvio que sim! Por isso, para se valorizar, é muito importante escolher a pessoa certa!”
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Na edição 1103 (15 de agosto de 2010), o colírio Federico Devito, quando perguntado por uma leitora sobre como se arrumar para escola, responde: “Coloque na sua cabeça: você está indo para escola e não para o shopping! Tudo bem arrumar o cabelo e se maquiar, mas nada de exageros. Se você quiser mesmo impressionar, vá cheirosa!”
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Na edição 1113 (02 de janeiro de 2011), o colírio Caíque Nogueira falou sobre garotas que se fazem de difícil: “A dica é: não exagere! Acho super válido garotas que não beijam logo de cara, mas quando isso vira rotina, cansa!”
É possível observar que apesar de ser uma revista direcionada para as meninas, a Capricho colocava em foco a opinião dos garotos e deixava outras questões como o desenvolvimento da garota e as suas próprias preferências de lado. “Eu faço parte da comunidade LGBTQIA+ e estava pensando no quanto a revista e a seção dos colírios eram uma febre entre as jovens, com isso, eu queria achar meninos atraentes e gostar deles. Na revista, eles te ensinam como ser atraente e coisas como ‘os dez passos para conquistar um garoto’. Além de eu colocar o meu cérebro para pensar em garotos, que é uma coisa que eu não gosto muito, a revista preparava as garotas para conquistá-los”, relembra a publicitária Luiza.
Os relacionamentos, que também eram assuntos recorrentes na publicação, passavam a mesma visão, a do garoto, como relata Mariana sobre a época em que fazia parte da Galera Capricho: “Eu sempre tive a ideia que, bom, quando for namorar com alguém, ele vai fazer várias coisas que eu não vou gostar, mas ele é homem, ele é menino, eles são assim mesmo, a gente tem que aprender a lidar com isso”.
PADRÃO CAPRICHO
Como relatam as ex-leitoras da revista, para a maioria, a persona da Capricho era bem definida: a garota da classe A/B, que estudava em um colégio particular, era branca, loira, de olhos claros e magra. Essas características que formavam o padrão de beleza Capricho não são comuns entre as jovens brasileiras, o que reforçava a ideia de ser algo único e inalcançável, em vez de diverso e inclusivo. “Não mostravam pessoas com deficiência, pessoas negras ou pobres. Eram pessoas brancas, meninas ricas, classe média-alta”, segundo a jornalista Thaina. Em mais de 40 anos após o lançamento da Capricho, em 1995, uma mulher negra estampou a capa da publicação pela primeira vez. A capa em questão foi para uma edição especial em comemoração ao fim do apartheid na África do Sul com a atriz Taís Araújo ao lado da modelo Carolina Amaral e marca uma das contáveis vezes que uma pessoa negra teve destaque na revista.

"Racismo: nós estamos fora. E você?", a primeira capa da Capricho com uma mulher negra também teve a presença de uma modelo branca (Reprodução: Ofuxico)
Em uma pesquisa realizada pela equipe de reportagem com mais de 300 respostas, 98,5% dos entrevistados de 18 a 25 anos sentem que foram influenciados pela revista na época em que eram leitores ativos. E 84,75% concordam que existia um padrão de beleza claro imposto pela revista.

A influência que a Capricho exercia sobre as suas leitoras é inegável e essa realidade mostrada no título acabava gerando um aspiracional para as garotas fora do padrão, como conta Thiago Theodoro, chefe de redação da revista de 2011 a 2016: “A Capricho era um artigo [de luxo], era a líder do segmento, então, era a revista da menina 'patricinha', era para a menina que tinha condição e a marca se manteve assim durante muito tempo. O que veremos mais para frente é que se voltou um pouco contra ela, porque a revista vendia um aspiracional, e o aspiracional era muito cruel com as meninas negras e gordas, com todo mundo, não era democrático, era um clubinho que todo mundo queria fazer parte”.
A psicóloga Patrícia Vigo trabalha diretamente com adolescentes e explica que essa falta de representatividade, quando observada como caso isolado, não é motivo de gerar traumas, porém, é um grande gatilho para a autoestima dessas meninas. “Olhar para aquelas revistas e você não ter nada daquilo, aquilo não fazer parte do seu universo, vai lhe fazer pensar: ‘nossa, então só vai arrumar namorado, só vai ter um par quem tiver esse corpo, ou só vai estar bonito, quem tiver esse tipo de roupa, só vai ser legal, ter amigos, quem tiver esse tipo de acessório…’ E aí, você começa a se sentir deslocado, ter desconfortos e inseguranças, precisando trabalhar nessa questão de autoestima e de não ser bom o suficiente para fazer parte de um grupo”, relata.
Os depoimentos das leitoras e a discussão sobre o conteúdo das revistas trazidos para esta década mostram uma perspectiva muito mais ampla da Capricho e colocam em evidência muitos discursos descabidos, e uma realidade que antes era camuflada pelo “mundinho cor-de-rosa”, como destaca a relações públicas Vitória Costa: “Eu acho que a Capricho moldou muito uma geração. Eles tinham o poder de transformação, impor a sua opinião e, realmente, ser bem ditadora”.
"aparecer na capricho foi um dos motivos para eu ter me mudado de escola, eu fiquei com muita
vergonha."
Raquel Salotti, 21 anos, conta sobre a sua experiência fotografando para a revista Capricho. Ouça o depoimento completo.
O INÍCIO DA ERA DE INFLUENCERS
por Isabelle Marsola
Muito antes dos influenciadores digitais que conhecemos hoje existirem, a Capricho já havia criado os seus próprios influencers, o primeiro grupo de meninas foi lançado pela revista impressa no final da década de 2000, a Galera Capricho.
Algumas das meninas que fizeram parte das primeiras edições da galera são conhecidas até hoje, como a cantora Manu Gavassi, que participou em 2009 e foi incentivada a seguir carreira artística pela Editora Abril após mostrar o seu talento durante uma das reuniões com a equipe da Capricho. Ela passou a postar vídeos na internet fazendo covers e músicas autorais. Com a ajuda de seu pai, o radialista Zé Luiz e a revista Capricho, Manu estreou o single Garoto Errado acompanhado do clipe no canal da revista no YouTube.
Primeiro videoclipe da carreira da cantora lançado em 2010 (Reprodução: Youtube/Capricho)
Primeiro videoclipe da carreira da cantora lançado em 2010 através do canal da Capricho no Youtube
Manu lançou o seu primeiro álbum em 2010, e seu show de estreia aconteceu no festival NoCAPRICHO, em setembro do mesmo ano. O evento contava com a participação de nomes muito populares entre os jovens da época, como NX Zero, Cine e Fresno, além da presença dos Colírios Capricho e das demais meninas da galera.
Primeiro videoclipe da carreira da cantora lançado em 2010 através do canal da Capricho no Youtube

Banner usado na divulgação do festival NoCAPRICHO (Reprodução: Antena Parabólica)
Outra influenciadora que começou na Capricho é Paola Antonini. Ela fez parte do grupo no mesmo ano em que Manu e também se destacou em diversas matérias ao longo do ano. Em 2014, a influencer sofreu um grave acidente de carro e precisou amputar sua perna esquerda, então, passou a postar em suas redes sociais atualizações de seu estado e encantou cada vez mais pessoas com a sua positividade, mesmo após todo o ocorrido, atraindo milhões de seguidores em suas redes sociais.
A Capricho também criou um grupo de meninos conhecido como Colírios Capricho. De acordo com o artigo “Falta de Capricho: Uma análise sobre o discurso da revista teen” da publicitária Paula Pontes Guimarães, “os colírios são homens ou meninos famosos que fazem bem aos olhos e à visão, eles estão na revista há muito tempo”. A Capricho começou a perceber que esses jovens faziam tanto sucesso entre as adolescentes, que decidiu fundar um projeto diferente e passou a eleger garotos não famosos que estivessem dentro dos padrões de beleza daquela geração, como os novos colírios, os tornando as celebridades do momento. A repercussão desse projeto foi tão grande que, em 2010, a CH lançou a websérie chamada Vida de Garoto, a qual mostrava a vida dos ex-colírios Dudu Surita, Federico Devito e Caíque Nogueira, em uma casa em São Lourenço, no litoral paulista.
NA VISÃO DO COLÍRIO
Os ex-colírios Éric Surita, de 29 anos, Fernando Ribeiro, de 28 anos, e Bruno Coleto, de 34 anos, trabalharam por um bom tempo com a Capricho e tiveram contato com a revista na posição de influenciador conhecendo o outro lado da influência. Hoje, anos após o fim da publicação, eles falam sobre o seu ponto de vista da época e a percepção atual dessa fase, ou seja, o que mudou na vida desses garotos depois da Capricho.

Os irmãos Éric e Dudu Surita no evento NoCAPRICHO
(Reprodução: Youtube/Capricho)
Éric conta que nunca pensou em seguir a carreira de influencer ou modelo. Na época, tinha um blog no qual se dedicava ao jornalismo esportivo, mas recebeu convites da Capricho para participar de alguns trabalhos enquanto acompanhava o seu irmão, Dudu Surita, nos compromissos de colírio.
Mesmo tendo que mudar seus planos profissionais por conta da revista, ele acredita que foi bom, pois lhe trouxe certa notoriedade pública e o levou a fazer projetos que não imaginava, como atuar em uma novela do SBT ou ir para a Rede Globo, como conta: “Acabei recebendo convites durante o período em que estava na revista e um pouco depois, então a vida me levou para esse lugar. Foi um pouco de destino”.
Sobre o fato da revista ter sido um dos maiores meios de influência entre as adolescentes da época, Éric pontua que, de certa forma, não era saudável, mas os assuntos que eram abordados se baseavam nos pensamentos da sociedade daquele momento. “Então, esse culto a imagem, acredito que era algo, na verdade, bem tóxico”, relembra o ex-colírio.
De fato, a revista não abordava assuntos relacionados a homofobia, ao racismo, ou outras pautas sociais com tanta frequência. Sobre isso, Éric afirma que faltava tato da revista para tratar desses temas, mas que é muito fácil analisar isso depois de dez anos, sendo que, na época, isso passava despercebido até mesmo pelo público. “A gente consumia esse tipo de coisa e não refletia para cobrar a imprensa de abordar ou até ter um colírio negro, no caso”, conta.
O ex-colírio também fala que não participaria do grupo de colírios da Capricho novamente e fala sobre os padrões idealizados pela publicação: “Era tudo muito imagético, o que representavam era uma imagem de um príncipe perfeito, algo muito idealista. Acho que era parte da cultura pop da época”.
O cantor Fernando Ribeiro, diferentemente de Éric, sempre quis fazer parte do mundo dos famosos e antes mesmo de entrar na Capricho, produzia vídeos cantando para o Youtube. Ele conta que não acompanhava a revista, apenas sabia que ela existia por conta da repercussão que havia entre as meninas da sua escola. Segundo Fernando, foi em um dia qualquer que uma olheira da marca entrou em contato com ele pela rede social de sucesso da época, o Orkut, e perguntou: "Ei, quer ser Colírio da Capricho?”, uma semana depois ele respondeu a um pequeno questionário, tirou fotos e ingressou na equipe da revista.
Para ele, isso fez toda a diferença em sua carreira, afinal, pôde conhecer diversas pessoas do meio artístico e ter experiências que o fizeram ter certeza do que desejava para o futuro. O ex-colírio também relembrou o momento marcante de quando abriu um dos festivais NoCAPRICHO, em setembro de 2010, e viu todas as pessoas com cartazes cantando junto com ele. “Foi ali o grande marco da minha vida”, relembra Fernando.
Segundo o ex-colírio, a fama da Capricho não seria a mesma se a revista tivesse continuado impressa, afinal, hoje em dia, a quantidade de influenciadores é muito maior e a maneira que trabalham também é diferente. Antes, a Capricho era uma das maiores fontes de influência para os jovens e, atualmente, existem muitas pessoas para dividir os holofotes. Fernando ainda apresentou o seu ponto de vista sobre a maneira em que ele e os outros colírios se portavam: “Os meninos queriam seguir um padrão, mas por conta do que era o 'Vida de Garoto', e eu não acho isso legal, você influenciar uma pessoa a ser de tal maneira. Acho que cada um deve ter a sua essência e ser livre para ser o que é de fato”.
Já Bruno Coleto segue carreira de modelo graças a Capricho, que o chamou para participar de uma campanha para o Dia dos Namorados e depois de três meses foi convidado a ser colírio. Sobre a sua visão da revista, o modelo afirma que, antigamente, existiam padrões de beleza específicos para a sua profissão, como quando começou a modelar, aos 17 anos, notou que quem estava com 24 anos já podia ser considerado “velho” e não seria mais chamado para trabalhos, inclusive, via isso ocorrer dentro da revista. “Talvez seja até por isso que a Capricho se sobressaía em comparação com as outras [revistas adolescentes], porque ela seguia fielmente à risca o padrão de beleza estabelecido socialmente”, conta.
Quando Bruno analisa a participação ativa dos colírios na revista, pontua que a experiência talvez não tenha sido tão positiva para as suas carreiras, pois, para algumas marcas de grife, quem teve o nome vinculado à revista pode se deparar com um certo preconceito no mercado. “Capricho era um nome bem de revista teen, bem fofoquinha, adolescente, coisa que as marcas muito famosas e grandes não querem, mas, pelo menos, se você era colírio da revista, conseguiria uma certa fama e visibilidade para seguir qual caminho desejasse”, conclui o ex-colírio.
O PODER MUDA DE LUGAR
A Capricho e a sua equipe precisaram se adaptar a novas pautas, interesses e assuntos que chamassem a atenção de uma nova geração de adolescentes, além de mudar o seu tom de voz e olhar para os seus conteúdos com mais responsabilidade social por conta da demanda atual, como conta a editora-chefe de comportamento da revista, Isabella Otto: “Hoje pensamos muito no empoderamento feminino, de falar sobre o feminismo. A gente sabe que existem muitos materiais com chamadas problemáticas na revista Capricho há alguns anos, não precisa ir muito longe, há uns 10 anos ainda tinham coisas problemáticas. Reconhecemos isso e hoje temos um posicionamento muito diferente, pensamos muito nos conteúdos e na questão da representatividade”.
A internet, por sua vez, passa a dar espaço para qualquer pessoa compartilhar as suas experiências, contar as próprias histórias e fornecer informações sobre todos os tipos de assuntos, não há mais necessidade de "nichar” o conteúdo para o público adolescente ou garotas em um só lugar, nem tampouco esperar 15 dias para ter atualizações sobre a sua celebridade favorita. A qualquer momento, você pode pegar o seu dispositivo e pesquisar sobre o conteúdo que quiser, no momento em que desejar.
Esse fácil acesso e o livre compartilhamento de informações têm dois caminhos opostos, de um lado estão os benefícios como aprender sobre diversos assuntos, encontrar representatividade e acompanhar o que está acontecendo no mundo em tempo real. A estudante de farmácia Letícia Custódio, de 22 anos, sofria com a influência da Capricho para ter um “corpo perfeito” durante a sua pré-adolescência e hoje em dia tem uma página no Instagram na qual compartilha dicas sobre a “vida saudável real, leve e prazerosa”, como a mesma diz na rede social. A estudante comenta sobre a diferença das influencers para a revista: “As blogueiras que, hoje em dia, trazem essa questão [dos corpos reais], que é super importante, eu acredito que, na época, também não se sentiam bem, elas queriam se encaixar naquele padrão porque não era uma coisa discutida abertamente igual é hoje em dia. Antes, se você não fosse do padrão, você era zuado, até hoje isso ocorre, mas menos, porque não estamos nem aí. Você consegue ser quem você é e encontrar influencers que tragam o mesmo padrão de vida, estilo e pensamento que você possui hoje. É muito mais fácil você conseguir se sentir aceito”.
Já do outro lado, estão as “más influências”, que antes eram limitadas ao colega de escola ou a um veículo de comunicação específico, agora agem de diferentes maneiras por diversos meios. Essas pessoas geralmente se encarregam de espalhar notícias falsas, compartilham opiniões sem embasamento, fazem propagandas enganosas e propagam discursos sem alguma responsabilidade social, mesmo sabendo que podem alcançar milhões de pessoas.
A ex-Galera Vitória cita um episódio recente envolvendo uma digital influencer como um exemplo de influência negativa e propaganda enganosa e faz um comparativo com a Capricho: “[O poder de influência] é muito mais explícito agora porque, por exemplo, as revistas falavam dos corpos, mas sem indicar o produto ideal para você alcançar aquele corpo. A diferença é que a gente vê hoje, nas redes sociais, que tal influenciadora tem aquele corpo com uma lipo LAD, mas que também está passando um creme que vai ajudar você a ter um corpo como o dela”, como ocorreu na situação em que uma influenciadora, com mais de 6 milhões de seguidores, usou as suas redes sociais para fazer propaganda de um creme que, supostamente, ajuda a perder a gordura localizada, logo após ter feito uma cirurgia de lipoaspiração.
Uma tentativa falha de buscar identificação ao se comparar com as celebridades, também entra como uma das principais problemáticas da influência digital, algo que já acontecia na época da revista e, hoje em dia, é ainda mais evidente. A cantora Victoria Cerrid descreve as redes sociais da influenciadora Jade Picon como algo “ilusório”, pelo fato de estar fora da realidade da maioria das pessoas. Já para a publicitária Luiza Gomes, a comparação é inevitável. "Ultimamente, muitos influenciadores estão falando para os seguidores não se compararem com eles, como a mulher do DJ Alok, a influenciadora digital Romana Novais. Acho interessante esse aviso, porém ainda não acho que seja suficiente. Nos comparar está no nosso inconsciente”, afirma.
