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MÍDIA, CULTURA

E SOCIEDADE

A Capricho se adaptou ao cenário cultural da época, reforçando padrões da mídia internacional, com uma perspectiva singular, sem diversidade

Cledes Quintiliano, Nicole Blank

outubro 2021


As principais fontes de entretenimento jovem a partir dos anos 2000 foram a Capricho e a MTV (quando ainda era canal aberto). Esses visavam um público que, segundo o chefe de redação da Capricho de 2011 a 2016, Thiago Theodoro, desde o começo dos anos 90, eram minimizados tanto na mídia televisiva como na editorial. Para ele, até o conceito de adolescência é muito recente, pois naquela ocasião não existia a concepção de uma fase pré-adulta: existiam apenas crianças e adultos, inclusive, o próprio Estatuto da Criança e Adolescente foi fundado somente depois da Capricho criar uma revista para jovens.

Essa iniciativa pode ter sido pertinente naquela época, mas hoje é considerada ineficaz pela geração Z, pois, ao analisar a mídia de vinte anos atrás, observa-se que a defasagem nos critérios de representatividade, identidade e profundidade de conteúdo não partem essencialmente da Capricho e da MTV, ou seja, não só no Brasil, mas toda a mídia ocidental era carregada de temas e abordagens superficiais que, atualmente, seriam tachados totalmente irrelevantes.

 

UMA CULTURA NEGLIGENTE

Nos anos 2000, a geração Z do Brasil foi marcada por uma cultura de Sessão da Tarde, a qual exibia apenas filmes norte-americanos que raramente eram estrelados por uma garota negra e quando tinham a presença da personagem, seu papel era reduzido a coadjuvante de uma protagonista branca e parecia não ter vida própria; filmes que retratavam a família tradicional suburbana, que nunca tiveram destaque por um filho adotivo; filmes em que o par perfeito para a formatura tinha que ser o garoto loiro e forte; filmes em que a garota estudiosa de óculos e aparelho se tornava estilosa e popular. E também não existem evidências de que em alguma dessas exibições havia uma protagonista de etnia amarela ou parda, ou que estivesse acima do peso.

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A amiga sensitiva

Define-se de modo popular uma personagem secundária, geralmente retratada como a melhor amiga da protagonista em uma trama. Não há características muito singulares, seu papel é orientado em servir de apoio moral e agir em defesa da personagem principal. A própria Capricho publicou recentemente em seu blog a respeito. Confira.

Vanessa Hudgens e Monique Coleman em High School Musical 3: Ano da Formatura (2008) (Reprodução: Schnittberichte.com)
 


Os conteúdos do cinema internacional quase nunca eram condizentes com o público jovem brasileiro, e isto construiu uma apreciação por estéticas que eram comuns somente entre pessoas de classe média alta. O cinema e TV local, em suas maiores produções voltadas ao público adolescente, buscava - e até hoje busca - se associar à estética elitista, excluindo o protagonismo de jovens indígenas, sertanejas e periféricas.

 

Blake Lively e Leighton Meester em Gossip Girl em 2010 (Reprodução: Vogue Hong Kong)

Nas produções americanas, era comum o protagonismo das líderes de torcida e das abelhas rainhas: ricas, magras, populares, com o comportamento tirano. Tais características eram consequência da hierarquia social que se estabelecia nos colégios estadunidenses. Não se pode negar, entretanto, que a maioria dos enredos focava incentivar reflexão sobre o comportamento adolescente e as implicações de seus atos. Exemplos clássicos da influência elitista nos colégios são os filmes: As Patricinhas de Beverly Hills (1995), Meninas Malvadas (2004)Confissões de uma Adolescente em Crise (2004), As Apimentadas: Tudo ou Nada (2006), a série de TV Gossip Girl (2007) e a telenovela Rebelde (2004) — exibidas na TV aberta pelo SBT. O ponto é que o real efeito destas e de outras milhares produções do gênero é a supervalorização da estética elitista e o fortalecimento de padrões de beleza quando o conceito de diversidade ainda era algo utópico.

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Na TV Globo, destacavam-se exibições de produções estrangeiras do Disney Channel, trazendo mais do conceito elitista americano, como as séries Hannah Montana, Os Feiticeiros de Waverly Place e desenhos animados como Padrinhos Mágicos.

O entretenimento teen no Brasil ainda era novidade, afinal, a geração Y ainda era a detentora da atividade comercial e da produção de tudo que a geração Z consumia durante a infância e pré-adolescência, por isso, existiam poucos produtos de entretenimento nacionais em exibição: os maiores destaques eram os variados programas de música da MTV, o seriado Sandy e Junior (1999), o programa Pânico na TV (2003) e as novelas Floribella (2005) e Malhação (1995), que veio trazer uma protagonista negra apenas em 2016, após 21 anos no ar e até hoje, inclusive, não apresentou uma protagonista com alguma deficiência física. As novelas e seriados brasileiros, desde a década de 90, tinham enredos carregados de rivalidade entre mulheres por causa de um homem ou por popularidade e era característico de personagens ferminas, exceto em vilãs, a essência frágil e sua falta de autonomia em um relacionamento.

 

A geração Z vivenciou, então, desde o início dos anos 2000, uma cultura de padrões estéticos que repercutiram no Brasil graças ao cinema e a mídia internacional e isso refletiu no pensamento da sociedade; e tanto a Capricho como outras revistas do ramo acompanharam esta tendência. Para a pesquisadora de mídia e saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e orientadora do artigo "Constituindo sujeitos anoréxicos: discursos da revista Capricho"Maria Henriqueta, “não se fazia isso na intenção de gerar lucro, apenas, acredita-se que a redação sentava ali para produzir algo que na cabeça deles ia repercutir de forma interessante para o público, servindo de inspiração”.A psicóloga especialista em adolescentes Patrícia Viggo também explica que todos estão em constante desenvolvimento, independentemente da idade, porém, a baixa maturidade dos adolescentes dificulta o julgamento do que deve ser seguido ou não. A psicóloga Gabryelle Bittner complementa dizendo que “é na fase da adolescência que o indivíduo começa a descobrir sua identidade e é natural querer seguir  aquilo que vê”.

DEIXANDO A DESEJAR

Como pontuado, a maior parte da geração Z ainda estava na infância e, naquela época, todo produto de mídia que se vendia, era produzido pela geração anterior, a geração Y, que estava mais preocupada em ditar comportamentos e padrões estéticos do que gerar reflexão. Logo, presume-se que os primeiros indivíduos da geração Z foram mais influenciados pela mídia impressa e televisiva, do que os que nasceram posteriormente, já na era digital. Bárbara Moura, de 21 anos, era leitora da revista durante a sua adolescência e, hoje, acredita que a visão da Capricho amadureceu juntamente com o seu público: “Naquela época, não é que queriam excluir propositalmente, apenas não eram questões debatidas, não só em revistas, mas em tudo que a gente consumia”.

Entretanto, no caso da Capricho, como líder do segmento jovem, não há evidências de que tenha tomado a iniciativa em trazer pautas diferenciadas e inclusivas nos quesitos de consumo, comportamento e estética, de acordo com Thiago, em certos assuntos, a revista propunha discussões muito a frente de seu tempo, porém, há 30 anos atrás, era mais difícil olhar sob a perspectiva atual: “Precisamos pontuar a questão do tempo e da evolução das discussões, pois o que a gente fala hoje, a gente não falava há 30 anos”.

 

"fazemos uma análise bastante crítica das chamadas de capas da década 1990 e vemos, hoje, que elas não fazem nenhum sentido.” — Thiago Theodoro, ex-chefe de redação da revista Capricho

 

Não existia o conceito de representatividade nas revistas Capricho entre 2000 e 2013, segundo Thiago, “as capas das revistas, por exemplo, só traziam modelos brancas e magras, quase não tinham meninas negras, acima do peso, amarelas ou asiáticas; e isso não acontecia apenas com as adolescentes, os meninos também seguiram esta mesma linha”.
 

Maria Henriqueta explica que esse fenômeno da mídia é algo inerente à época, ou seja, sempre vai existir: “A mídia se associa ao discurso que circula em meio à cultura, pois ela faz parte da cultura. Se a Capricho se posicionasse de maneira diferente do que era dito entre as pessoas, não seria o suficiente para mudar a maneira de pensar da massa”. Afinal, inserido numa sociedade capitalista, o propósito de quase todo veículo de comunicação é vender, e para Thiago, a Capricho vendia “um aspiracional”, algo muito difícil ou muito improvável de ser alcançado, o que gerava toda problemática da influência no público. E a pesquisadora acredita que a redação da Capricho não fazia isso na intenção de gerar lucro ou por estar preocupada com o que ia vender, para ela "a redação estava ali pra produzir algo que na cabeça deles iria repercutir de forma interessante para o público", servindo de inspiração.

No entanto, é justamente pelo fato das pautas da Capricho terem se mostrado revolucionárias desde a década de 1980, que a defasagem de conteúdos representativos nos anos 2000 denota, hoje, o quão acomodadamente a revista se portou. Segundo Maria, a Capricho tinha essa autonomia por liderar o segmento e ter "moral" diante do público, e ainda confirma que "é importante frisar que nem sempre o discurso em si é o que realmente importa, e sim quem o diz".

GERAÇÃO-DETOX

Hoje ainda não se pode concluir que as produções cinematográficas e televisivas de entretenimento sejam totalmente inclusivas e representativas. Ainda há fortes evidências de produções nacionais que se apropriam dos mesmos padrões dos anos 2000.

Porém, agora há mais espaço, afinal, o crescimento das redes sociais potencializou ainda mais a vontade dos jovens de se expressarem e serem ouvidos. Ali, eles são livres para compartilhar, debater e terem voz acerca de questões que consideram importantes, como por exemplo, o feminismo, pauta que muitas pessoas tiveram conhecimento somente em meados de 2010.
 

Para entender na prática essa diferença de pensamentos sobre a forma de abordar certos conteúdos hoje em dia, convidamos duas antigas leitoras da Capricho e duas adolescentes que possuem a idade referente ao público-alvo da Capricho, de 12 a 17 anos. Observando antigas revistas elas discutiram sobre como essas manchetes soariam nos dias de hoje e como até mesmo os interesses das adolescentes mudaram. Confira:

 

Segundo os cientistas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), o momento em que estamos mais suscetíveis à influência começa a partir dos 12 anos, especialmente quando se trata de ideias e conselhos vindos de amigos, e a Capricho, por sua vez, sempre teve o discurso de ser a melhor amiga de suas leitoras. Essa pesquisa está publicada no periódico Proceedings of National Academy of Sciences e analisou crianças e adolescentes para identificar a idade exata em que acontece essa mudança, aquele momento em que, ao invés de seguir suas próprias vontades, começam a se adaptar ao máximo na  preocupação de fazer parte de um grupo. 

Hoje em dia, a geração Z está na faixa de 12 a 26 anos de idade e contempla uma sociedade mais autônoma em relação ao que deseja consumir, graças à digitalização dos meios de comunicação e das mídias sociais. Agora, temos a opção de escolher qual conteúdo funciona para nós e deixar de consumir aquilo que não consideramos relevante.

 

A editora-chefe da Capricho, Juliana Costa, acredita que o fato da marca ter sido tão emblemática a tornou a primeira referência que vem à mente das pessoas, tanto pelas lembranças positivas como as dicas que recebiam, os pôsteres dos artistas preferidos, ou então os testes de comportamento, como também é a primeira referência ao falar sobre a falta de representatividade ou pautas machistas. “Por ter marcado tanto a vida de algumas pessoas, [a Capricho] acaba sendo a primeira marca que vem à mente, mesmo quando estamos falando sobre comportamentos que não eram particularidade da revista, como a forma de abordar relacionamentos ou a falta de diversidade”, afirma.

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A INFLUÊNCIA

Por Giovana Garcia, Isabelle Marsola e Nicole Blank

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A EVOLUÇÃO

Por

Felipe Carvalho e Isabela Dias

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